Folhetim | Casa de Hóspedes (6º. Episódio)

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FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

Casa de Hóspedes (6º. Episódio)

O Sr. Mário era o hóspede mais antigo lá de casa. O mais antigo e também o mais velho. Foi ali parar quando o casamento de décadas não aguentou mais. Ao falar da mulher, tinha tremores nas mãos e gestos desordenados. Se era raiva, ou ódio, ou desamor, só ele saberia. Indiferença é que não era, a avaliar pela firmeza com que apertava e tornava a apertar o nó fininho da gravata. Ainda cumpria o seu trabalho diário no Ministério, mas não explicava qual era. Era um homem muito magro, alto e um pouco curvado. Quase sempre usava fato completo, calças, casaco e colete. O cabelo, ondulado e assente, à custa de um qualquer unto em moda na época. A D. Adélia admirava-lhe a figura, a delicadeza, uma finura que ela muito apreciava, que hoje em dia já não há educação, ela bem sabia o que dizia, que ser empregada numa escola, nestes tempos, era assistir a poucas vergonhas como ela nunca imaginara que houvesse, para mais entre filhos de boas famílias, com uma linguagem de fazer corar um santo.

À Dona Júlia, o Sr. Mário fazia-lhe lembrar o Tony de Matos e, de facto, havia grandes semelhanças com o cantor, retratado e emoldurado em grande estilo numa parede da sala. Gabava-se de o ter conhecido, de o ter ouvido cantar na festa de Natal do clube recreativo do bairro onde morara em solteira. Já não havia cantores assim, que as músicas de agora são coisas que ninguém entende, se é que se pode chamar música àqueles guinchos e batucadas.

No princípio de Verão, o humor do Sr. Mário piorou. Desculpasse a pergunta, mas o Sr. Mário sente-se bem, vejo-o um nadinha triste. Nada, Dona Júlia, muito obrigado pelo cuidado, mas esta mudança de estação mexe sempre comigo. E depois, os anos não perdoam. A D. Adélia, que assistia silenciosa ao diálogo, não se conteve, nem pensar nisso, o Sr. Mário ainda é um homem novo, e que se animasse que esta vida não vale nada, não somos nada, e devemos aproveitar os dias que Deus nos dá. Depois da inesperada e entusiasmada tirada, que pôs um certo espanto na cara dos outros dois, a D. Adélia disse, com licença, fungou repetidas vezes, e lá foi para o seu quartinho.

 

(continua)

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